Repente é uma coisa espontânea, se toca o momento, a ocasião, ao vivo e a cores.

Nascido no sítio Boa Vista, município de São José dos Piranhas – PB, João Bandeira de Caldas é hoje um dos grandes repentistas da história da cantoria brasileira ainda em atividade. Nascido no dia 16 de abril 1944 o poeta esteve, durante toda sua vida, sempre rodeado de muita poesia.

“Eu sou de uma dinastia de cantadores, meu avô Manuel Galdino Bandeira começou a cantar com 22 anos de idade, ele cantou 55 anos, deixando uma hereditariedade de cantadores. […] eu venho de uma família de cantadores”.

Ao todo o poeta possui mais 5 irmãos, sendo todos eles também poetas: Pedro Bandeira, Chico Bandeira, Daudeth Bandeira, Antônio Bandeira e Cicera Bandeira, estando Antônio e Cicera Bandeira já falecidos.

Filho de Maria de França Bandeira (Lilica) e Tobias Pereira de Caldas, João Bandeira iniciou na cantoria no ano de 1961, e em 1962 já se encontrava nas rádios, cantando e gravando em programas, ao mesmo tempo que revendia seus produtos para o comércio. Ele ressalta que a partir dessa ocasião, tanto ele como outros cantadores, passaram a ser repentistas, publicitários e corretores de anúncios, como forma de sobreviver da arte.

Para o poeta os cantadores de antigamente influenciam as novas gerações de cantadores que vão surgindo, por outro lado revela que “a cantoria daquela época era diferente da cantoria de hoje” afirmando que no tempo do seu avô cantava-se puramente repente (martelo agalopado, sextilha, galope à beira mar, quadrão, gemedeira, mourão, e outras modalidades daquela época), e completa dizendo que, hoje, nas cantorias, tem aparecido muitas canções, e isso, segundo o mesmo, tem contrariado muito o repente. “Quem viu a cantoria daquela época era totalmente de repente, e agora se tornou uma cantoria mais de canções, canções com melodias, houve essa diferença, essa transformação”.

No tempo de seu avô, também, não haviam rádios, o mesmo vivia da cantoria, da agricultura e da criação de gado. Com o advento da rádio o cantador de sua época transferiu-se para a cidade, deixando de ser um homem do campo, tornando-se um homem da cidade. Entretanto, mesmo urbanizando-se, continuou fazendo suas cantorias na zona rural. Hoje em dia, com a migração das rádios AM para FM o poeta diz temer o destino do povo do campo, e ressalta que o êxodo rural para os centros urbanos é estrondoso e assustador, relatando que ao mesmo tempo que essa transição é visível e iminente há um despreparo de informações desses que migram, que, pela falta de subsídios informativos, acarretam o que o poeta vai chamar de “distúrbios sociais”. Continua dizendo que as cidades estão “inchadas” pelo êxodo rural. Isso acontece porque, segundo ele, alguns fatores propiciam essa saída, fatores estes que o mesmo denomina de “fatores sociais e fatores sobrenaturais”, dando como exemplo o sumiço do algodão e dos engenhos de cana de açúcar. Esses distúrbios sociais tem sido registrado pelos poetas em seus poemas – chamados de poemas sociais – assunto pelo qual o poeta tem se detido nesses últimos anos.

João Bandeira é também licenciado em História pela Universidade Regional do Cariri (URCA), e diante da ocasião aproveitou para comentar sobre a transformação no perfil dos cantadores, no que diz respeito às formações acadêmicas:

“O cantador procura, também, ‘conhecer novos conhecimentos’, temos hoje muitos cantadores com nível superior, (…) no meu caso eu sou licenciado em história depois de muitos anos de cantador. […] O repente comunica o lado social, o lado ecológico, descritivo, as coisas do sertão. O cantador é um formador, um carregador de cultura, de um ponto para outro, um comunicador, um tipo de mídia”.

Comenta também sobre a relação das políticas públicas com a cantoria, afirmando que há, acima de tudo, um descuido muito grande: “aqueles poetas mais interessados e esclarecidos é que vão atrás, reivindicar apoio, publicar livros, gravar discos, publicar cordéis, arrumar patrocinador, mas a parte da política pública se esquece e ignora esse apoio, essa responsabilidade, não se interessa, não quer dá valor. Há um relaxamento muito grande por parte da política para com a cultura”.

Por fim o poeta sugere que quem tiver interesse em conhecer mais sobre essa arte que procure os trabalhos produzidos pelos poetas, que compre os livros, cordéis, discos, que leve para casa e escute, prestigie. E clama que o poder público prestigie e ajude a divulgar, que as emissoras de rádio e televisão dê apoio, que ninguém despreze a cultura regional.

Ao fim da entrevista, pedi que o poeta fizesse suas últimas considerações, e o mesmo me veio com essas palavras:

“O regional não morrerá nunca, ela foi gerada pela própria natureza, ela pode ficar parada por uns tempos, mas depois aparece um motivo e ela renasce como uma semente que germinou na nova chuva que chegou, cresce e se bota a gerar frutos de acordo ao seu tempo. Seus frutos são inerentes às características da época em que nasceu e renasceu. Que seja dada toda preferência a essa cultura – a nossa – pra que ela não morra, o corpo precisa da cultura regional porque é a parte da cultura da nossa gente, que conta sua história, que conta a sua vida”.

IMG_0094

(A entrevista aconteceu no dia 04/07/2017 na rádio Verde Vale para o projeto De Repente em Ação).