Eu não vou deixar de cantar, é o que eu sei fazer.

Júlio Carneiro Lima, conhecido como Júlio Carneiro, nasceu em 20 de julho de 1964, na zona rural de Crato-CE. Filho de Jovita Maria e José Carneiro Lima, era irmão do poeta repentista Moacir Carneiro e do cordelista Luciano Carneiro. Até seu falecimento em 2022, Júlio residia no distrito de Dom Quintino, na cidade de Crato. Sua trajetória na Cantoria foi profundamente influenciada por sua família e seu amor pela arte.

Na entrevista de setembro de 2018, Júlio Carneiro compartilhou sua paixão pela Cantoria, revelando que, aos 8 anos, costumava pegar o violão de seu irmão Moacir em segredo para tentar acompanhar os cantadores que ouvia no rádio. Ele recorda que fazia isso para evitar a ira do irmão, que tinha muito ciúme do instrumento. Com o tempo, Júlio se tornou um excelente violeiro e cantador, como ele mesmo disse: “Nunca ninguém me ensinou nem a cantar, nem a afinar viola, nem nada. Quando ele [Moacir] deu fé, eu já estava afinando e tocando melhor do que ele”, brincou.

Seu avô também era Cantador, e todos os seus irmãos admiravam a arte. Por volta dos 20 anos, Júlio já estava cantando diversos improvisos, mesmo sem ter consagrado seu nome como Cantador. Ele relata que, nesse período, passou por vários trabalhos, mas nenhum o satisfazia. Assim, decidiu abandonar tudo para se dedicar exclusivamente à Cantoria. Nesse tempo, seu maior aliado foi o público, que o apoiava e incentivava em sua jornada artística. “quem bota o cantador no ramo é o povo, se você não tiver a veia poética você não consegue”.

Na sua opinião, não se estuda para ser Cantador. Júlio Carneiro afirmava que, ao contrário de outras profissões que exigem formação escolar, a Cantoria é uma arte em que o cantador nasce com o “dom” da poesia. No entanto, ele ressalta que esse “dom” pode ser aprimorado por meio do estudo, especialmente nos dias de hoje, quando a Cantoria tem se inovado significativamente, especialmente em relação ao seu público.

Júlio se considerava um bom cantador, mas ressaltava que esse título havia sido conferido pelo seu público. Suas participações sempre eram acompanhadas por uma data de retorno, e acreditava que isso era fundamental para sua permanência na profissão. Para ser um bom Cantador, Júlio afirmava ser essencial estar sempre atualizado com os acontecimentos e as mudanças ao seu redor. “Muitas vezes você pode chegar em um lugar que tenha pessoa forte alí, que pede para você falar uma ‘coisa assim’: ‘fale nisso’… para você falar num time assim… Você tem que pegar tudo, é tipo um caba curioso”.

Relembrou que, antigamente, muitos poetas eram considerados grandes Cantadores da história da Cantoria, mesmo sem formação escolar. Hoje, no entanto, muitos novos Cantadores buscam educação acadêmica, visando ampliar seu repertório de conteúdos. Para ele, essa modernização não era um problema; pelo contrário, era essencial. Em sua visão, essa era a principal diferença entre as Cantorias de antes e as de hoje.

Júlio também revelou que Pedro Bandeira foi fundamental no início de sua carreira, encaminhando-o para diversos festivais, onde acumulou uma coleção de CDs de suas participações. Além de Pedro, ele menciona outros cantadores que o incentivaram, como Os Nonatos, Francinaldo Oliveira e Zé Viola.

Segundo ele, a maioria das cantorias está concentrada na zona rural, onde a oferta de entretenimento é mais forte e o público mais idoso, sempre fiel à Cantoria, ainda predomina. Ele observava que a informalidade desses encontros frequentemente resulta em novas apresentações e convites, permitindo que eles percorram diferentes espaços e comunidades.

Júlio Carneiro se descrevia como um simples cantador de viola, querido pelo povo, e que não se curvava para nenhum convite no qual era chamado a cantar, e acrescentou: “sou Júlio Carneiro, poeta cantador, sertanejo, pai de alguns filhos, lutador para sobreviver e querido pelo povo. A gente mesmo não pode se jugar, dizer que é o tal, quem diz é o povo, se você é um bom aluno o professor sabe”.

Ao final, ele expressou a convicção de que a cantoria nunca acabará, pois sempre haverá quem nasça e quem morra, e completou: “eu tenho meu povo, e o povo sempre cobriu minhas cantorias. Não existe um ‘grandão’ no meio dos tais pequenos, todo mundo é igual na realidade”.

Júlio Carneiro faleceu em 8 de abril de 2022, na cidade de Crato – CE.

IMG_5004 (Cópia Editada)

(A entrevista aconteceu no dia 27/09/2018 na residência do poeta Chico Pereira, no Distrito de Dom Quintino/Crato – CE, para o projeto De Repente em Ação)