“Se não tiver amor pelo que faz, uma hora desiste, mas eu não desisti porque eu tenho muito amor à profissão que faço”.

José Ari da Silva, conhecido como Zé Ari, nasceu no distrito de Missão Nova, em Missão Velha, no dia 14 de fevereiro de 1957. Filho de José Francisco da Silva e Júlia Maria da Silva, o poeta atualmente reside em Juazeiro do Norte-CE e faz da cantoria sua profissão.

Zé Ari relata que seu primeiro contato com a poesia improvisada ocorreu aos 5 anos, durante uma cantoria que seu pai realizou no Sítio Angicos, em Aurora – CE, em 1963. Ele ficou encantado com o som das violas e a música dos artistas que assistiu: “Os cantadores que cantaram lá foram o finado Zé Gaspar e Vicente Correia. Depois, cantou o finado Zé Gaspar e Nelinho. Aí depois teve uma cantoria no Sítio Vazantes, para cá do Sítio Angicos, com Pedro Bandeira e João Alexandre, também em 63. Eu nasci em 57, estava com 5 ou 6 anos. Aí vi aquelas ‘violonas’ tocando, cantador improvisando, aí fiquei nos terreiros lá de casa mais meu irmão fazendo a mesma coisa, sem saber o que estava fazendo; para nós, a gente já era cantador”.

Anos depois, seu cunhado comprou um violão de um músico local, mas, devido à falta de cuidado com o instrumento, a parte da frente se descolou da parte traseira. Zé Ari e seu irmão pediram as partes para colar e aprender a tocar. Nessa época, seus pais estavam se organizando para se mudar para o município de Cedro – CE.

Já em Cedro, os irmãos Silva continuavam a cantar em casa, até que um vizinho começou a espalhar que “esses moleques ‘tão’ cantando e cantam bem”. Após esse boato se espalhar, Zé Ari relata:

Cheguei em uma padaria doido para comer um pão, uma padaria perto do bairro Divisão, em Cedro. Aí o ‘caba’ disse: ‘Chama esses moleques pra eles ‘cantar’. Aí quando chegamos lá, os caba ficaram incentivando, e eu, com vergonha, baixei a cabeça, e meu irmão também. Aí disseram: ‘vamos fazer uma vaquinha aqui de dinheiro que eles cantam’. Caía 50, botavam 100, com pouco tinha mil e cem. Levei o ‘papudo’ de dinheiro e disse: ‘Agora eu canto’. Aí soltei a voz, e meu irmão também soltou. Aí quando chegamos em casa, meu pai se agoniou: ‘Onde arrumaram tanto dinheiro?’ ‘Foi cantando.’ ‘Não acredito!’. Aí foi saber e viu que era verdade: mil e duzentos, dinheiro que meu pai passava 2 meses trabalhando e não ganhava; Aí eu peguei paixão pela arte.”.

Zé Ari conta que, após isso, começou a cantar pela cidade e a ajudar nas despesas de casa com o dinheiro que ganhava nas cantorias.

Outro fato importante em sua trajetória foi quando um morador do bairro, sensibilizado por ele e seu irmão não terem um instrumento, fez dois violões com latas de goiabada e os presenteou. Esse presente chegou na hora certa, pois Zé Ari estava indo a Aurora encontrar um irmão mais velho para pegar dinheiro que ajudaria seus pais. Ao chegar com o instrumento, foi rapidamente abordado pelos moradores da cidade, que o levaram para cantar em um mercado, onde ganhou Cr$ 3.000,00 (três mil cruzeiros).

Após a cantoria bem-sucedida em Aurora, um senhor pediu que ele cantasse uma canção específica, e assim o fez. Logo depois, esse mesmo senhor o convidou a ir até a casa de um velho amigo, onde lhe daria um violão. “Quando cheguei lá, o violão estava pendurado com a capa de pano, um violão tonante, novo, nesse tempo o melhor que tinha. Aí [o senhor] perguntou [por] quanto o velho dava. Ele disse que era mil e quinhentos. Ele foi lá, ajeitou, comprou o violão e me deu. Cheguei em casa foi com o violão já pronto”.

Hoje, aos 61 anos, Zé Ari transformou a cantoria que o encantou na infância em sua profissão. Ele acredita que, para ser um bom repentista, é necessário ter, em primeiro lugar, o dom da poesia. Alega que todo o resto vem do dom, como a criatividade, a cultura e a humildade. “A criatividade e a cultura vêm do dom, porque hoje ninguém pode cantar uma coisa só; tem que entender muita coisa. Mas o dom vem em primeiro lugar, e o respeito pelas pessoas e pela arte que a gente faz

O poeta observa que muita coisa mudou nos shows de cantoria nas últimas décadas. A principal mudança, segundo ele, foi a popularização das TVs e rádios. “Antigamente, uma dupla de cantador ia cantar na casa, no sertão, onde fosse, não tinha concorrência de DVD nem de televisão, nem de Rádio. Vinha gente de léguas distante assistir a gente cantar”. Hoje, ele comenta que a profissão só se mantém se o poeta tiver amor pelo que faz, pois muitas pessoas já não frequentam as cantorias como antes.

Atualmente, Zé Ari apresenta o programa “Toada, Canção e Poesia” na rádio Verde Vale, ao lado do poeta Raimundo Vieira, todos os dias da semana, das 16:00 às 16:30. Ele está na emissora há sete anos e já trabalhou na rádio Progresso, em Juazeiro do Norte – CE, e na Rádio Cetama, em Barbalha – CE.

Até agora, possui 6 DVDs gravados em festivais e 15 CDs com canções de sua própria autoria. O projeto de vida pessoal dele é lançar um disco por ano, apenas voz e violão. Além disso, participou do documentário “Viva São João”, regido por Gilberto Gil em 2001, onde teve a oportunidade de mostrar sua arte ao lado do próprio Gil e da estátua do Pe. Cícero, no Horto.

Ao final de sua entrevista, o poeta afirma: “A nossa cultura não pode se acabar, principalmente a cultura do repentista”. E declara que sua vida já está traçada como cantador, que apenas a morte o afastará desse caminho.

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(A entrevista aconteceu no dia 12/04/2018 na rádio Verde Vale, em Juazeiro do Norte, para o projeto De Repente em Ação).