Agradeço a Deus todo dia por essa profissão que ele me deu, tão honrosa e respeitada.

José Felix de Almeida, conhecido como Zé Carneiro, nasceu em 25 de julho de 1947 e reside em Juazeiro do Norte, Ceará. Sua trajetória é profundamente marcada pela tradição da Cantoria. Originário do sítio Forquilha, no município de Caririaçu, é filho de Laura Teles de Almeida e Pedro Carneiro de Almeida. Aos 71 anos, Zé Carneiro coleciona histórias e momentos inesquecíveis em sua carreira como cantador.

Zé Carneiro recorda que, durante sua infância, a população da região onde morava tinha uma grande paixão pela Cantoria, e os fazendeiros frequentemente organizavam encontros de cantadores. Nesses eventos, ele sempre estava presente, observando os inúmeros repentistas. Lembra que na primeira cantoria que assistiu, percebeu que também era capaz de criar versos, assim como os cantadores que admirava.

Com nostalgia, ele menciona também a segunda cantoria em que participou, onde se apresentavam os poetas João Alexandre e Antônio Aleluia. Durante um intervalo, aproximou-se de João Alexandre e afirmou que também sabia fazer versos daquela forma. Indagado se realmente queria ser cantador, Zé Carneiro respondeu com firmeza: “quero ser cantador, vou ser cantador e sou cantador. E é o seguinte, irei cantar agora com o senhor”. Espantado, João questionou: “comigo?”. – “Sim, e evite de alguém pedir um desafio”.

Ao retornar ao palco, os poetas que se apresentavam cantaram mais uma modalidade e João Alexandre anunciou: “Aqui tem um cantador, ‘meninão’ que está começando agora. E falou para mim que ia cantar comigo e depois com você, Antônio Aleluia”, dirigindo-se para o colega. Zé Carneiro subiu ao palco e pegou a viola, mas apenas para compor a cena, pois ainda não sabia tocar. Mesmo assim, improvisou ao lado de sua primeira dupla. No final da apresentação, João Alexandre o elogiou, reconhecendo seu talento. A partir desse momento, Zé Carneiro começou a se apresentar com outros cantadores.

Aos 27 anos, mudou-se para Juazeiro do Norte com seus pais e passou a trabalhar em um bar local como vendedor de bebidas. Esse bar, bem localizado na cidade e movimentado pelos romeiros, foi o cenário de um importante momento em sua carreira. Um amigo, também cantador, sugeriu que ele realizasse uma cantoria no local. Era uma quarta-feira e Zé Carneiro organizou o evento para o sábado seguinte, atraindo um grande público de romeiros. Entre os ouvintes, estava um apresentador de rádio e TV local, que o convidou para um programa de televisão, marcando o recomeço definitivo de sua carreira como cantador.

Foi assim que eu comecei, né? Começou a aparecer convite para cantoria nas fazendas, renovação, batizado, aniversário… foi uma benção divina. E também convite para festival nas regiões, nas cidades, por aí. Como tá vendo a prateleira ali, ‘óh’ (apontando para uma prateleira na sala de sua casa), tem um bocado de troféu… tudo troféu de campeão de vaquejada, primeiro e segundo lugar”.

Além de suas apresentações como cantador, Zé Carneiro trabalhou durante 12 anos na rádio Iracema, apresentando um programa de Cantoria, além de ter atuado na rádio Progresso, sempre apoiado por diversos patrocinadores.

A cantoria nunca foi sua única profissão. Zé Carneiro também atuou como vendedor de joias, viajando para os estados de São Paulo e Paraná. Mesmo assim, sua viola sempre o acompanhava. Chegou a cantar em várias ocasiões, inclusive dentro dos ônibus: “Já cheguei a ganhar dinheiro dentro do ônibus que cobria a passagem. Uma profissão que gosto de fazer e ainda mais remunerado, não é muito bom?”, brinca ao relembrar essa experiência.

Para Zé Carneiro, um cantador nasce predestinado a ser um cantador. No entanto, ele acredita que a diferença entre um cantador e um bom cantador está nos estudos. “A gente já nasce preparado para ser cantador, agora para se aperfeiçoar e se tornar um cantador bem inteligente tem que estudar, frequentar escola, ler os livros”. E afirma que somente o público pode reconhecer um bom cantador. Assim, ele não se considera nem bom nem ruim, mas confessa que o público o aclama como um grande cantador.

Essa questão dos estudos, segundo Zé Carneiro, é o que diferencia as cantorias de hoje das de algumas décadas atrás. “Antigamente os cantadores se preocupavam só em cantar mesmo. Naquele tempo os estudos e os colégios eram muito difíceis. Os cantadores de hoje, os caprichosos, estudam muito, estudam para escrever livro, escrever poema, pronunciar as palavras certinhas”.

Atualmente, Zé Carneiro continua fazendo muitas cantorias, especialmente em aniversários e renovações. Ele observa que há muitos convites na cidade, mas que a maioria das apresentações acontece na zona rural. Lamenta também que, antigamente, o poder público incentivava a arte da cantoria com festivais, organizando de três a cinco eventos por ano. Hoje, ele sente que essa tradição tem sido esquecida pelos governantes.

Possui CDs e DVDs gravados de suas participações em festivais, registros valiosos de suas inesquecíveis apresentações. Zé Carneiro encerra afirmando que é feliz por tudo que viveu e construiu, expressando: “eu soube viver bem e viver feliz. Zé Carneiro é um que esteve e está no meio da felicidade, Graças a Deus”.

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(A entrevista aconteceu no dia 16/08/2018 em sua residência, em Juazeiro do Norte-CE, para o projeto De Repente em Ação).