“A poesia nem se aprende nem se ensina, se nasce com ela, e eu já nasci poeta”.

O poeta Cícero da Silva Alves, ou somente Cícero da Silva, nasceu na cidade de Exu-PE, mais especificamente no sítio Barracão, no dia 20 de abril de 1995. Filho de Maria de Lourdes da Silva Alves e Antônio Soares Alves, ele representa com maestria a nova geração de cantadores repentistas do Cariri cearense.

Desde muito cedo, Cícero demonstrou uma grande admiração pela poesia improvisada. Aos 10 anos, costumava ouvir os programas de cantadores nas rádios de Juazeiro do Norte, que, segundo ele, começavam às quatro da tarde e iam até as sete da noite, com destaque para o poeta Silvio Grangeiro no início e Moacir Carneiro no final.

No entanto, tudo mudaria quando Cícero tinha 13 anos. Ao assistir a uma apresentação de poesia na escola, sentiu-se encorajado a escrever alguns versos e informou à professora que pretendia apresentá-los. Ao chegar em casa, contou à avó sobre sua decisão, e ela comentou: “isso é pra quem tem cabeça”. Motivado por esse comentário, Cícero relata: “pedi a viola do meu então vizinho Moacir Carneiro e levei para a escola. Chegando lá não sabia nem pegar na viola, não sabia nem onde colocava os dedos pra poder tocar o baião, e comecei a dizer versos gritando. Versos não, berros! E rimava ‘criança’ com ‘adianta’, e tudo. Fui muito vaiado, e começaram a me chamar de Cícero louco. Então eu rapidamente parei, vi que aquilo não dava para mim”.

Após essa experiência, Cícero refletiu melhor e decidiu que não desistiria de se tornar cantador. Ele sentia que a poesia estava querendo desabrochar dentro dele, afirmando que “o poeta nasce poeta, e se nasce com esse dom, uma hora ele desabrochará”. Foi então que comprou um CD dos poetas Sebastião da Silva e Valdir Telles e passou a ouvi-lo diariamente. Aproximadamente 15 dias após a compra do CD, Cícero já estava criando suas primeiras sextilhas. “em>Foi quando minha avó me viu cantando e se admirou, e disse: ‘mas não é que esse menino canta? Meu Deus, esse menino tudo inventa’. E a partir das sextilhas, fui desenvolvendo outras modalidades”.

Ele revela que seu grande ícone na cantoria sempre foi o poeta Pedro Bandeira, de quem teve a oportunidade de assistir a muitas apresentações e receber dicas sobre como montar estrofes em diferentes modalidades. Além dele, Moacir Carneiro também contribuiu com conhecimentos específicos na prática da cantoria.

Cícero da Silva não faz da cantoria sua profissão, pois reside no Seminário Diocesano do Crato, onde se prepara para a vida sacerdotal, dedicando-se aos estudos de Filosofia e à pastoral de sua diocese. “Essa vida de seminarista e futuro presbítero não me permite que eu viva e que eu dependa particularmente da cantoria, pois a vida de um seminarista e de um padre é muito corrida com os estudos, com a pastoral e com o cuidado dos fiéis. Mas claro que ao vir para o seminário eu não deixei de ser poeta; pelo contrário, melhor dizendo, eu melhorei o meu dom e ganhei mais práticas, pois o conhecimento da filosofia pôde deixar que a minha mente se abrisse mais ainda para este dom de cantar”.

Cícero revela que, sempre que possível, recebe visitantes no seminário com suas cantorias, transformando essa interação em algo especial para seu trabalho de evangelização. Afinal, não é comum encontrar um seminarista que também é repentista.

Cícero da Silva afirma que, para ser um bom repentista, é preciso ter conhecimento: “um poeta sem conhecimento é como uma vela apagada”. Segundo ele, ao comparar as cantorias de décadas passadas com as atuais, os poetas de hoje têm a vantagem da tecnologia, que lhes permite acessar informações facilmente, ao contrário dos poetas mais antigos.

Ele também observa que, atualmente, a maior valorização das cantorias ocorre na zona urbana, embora a presença na zona rural ainda exista. Isso se deve à profissionalização da arte do repente, já que muitos shows são contratados e seus cachês são previamente adiantados, além da divulgação existente.

Cícero considera fundamental o tratamento da cultura popular nas escolas, especialmente em um momento em que as tecnologias dominam o cotidiano dos jovens, ofuscando as práticas culturais. “ Acho que se a cantoria fosse planejada a ser distribuída nas escolas, esses jovens teriam mais cultura e seriam mais conhecedores dessa cultura tão bonita que é a arte do repente”.

Atualmente, Cícero possui um CD gravado em 2016 ao lado do poeta Zé Joel, intitulado “Por quê sou Católico”, além de alguns cordéis de sua autoria. Também carrega na bagagem algumas premiações obtidas durante o ensino básico (fundamental e médio).

Ele finaliza a entrevista expressando o desejo de que a cantoria seja mais valorizada e divulgada em redes nacionais. Para ele, isso garantiria que a cantoria estivesse em uma categoria de destaque. Cícero conclui dizendo que faz da sua vida uma verdadeira relação entre a poesia e sua vocação de seminarista, enriquecendo ambas as experiências.

(Essa entrevista foi realizada em abril de 2018. Em 22 de janeiro de 2024, Cícero recebeu a ordenação sacerdotal e atualmente atua como vigário paroquial na Paróquia Senhora Sant’Ana, localizada no município de Santana do Cariri, no Ceará).

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(A entrevista aconteceu no dia 05/04/2018 no seminário diocesano São José, em Crato – CE, para o projeto De Repente em Ação).